As veredas do planeta deserto

No dia em que a sonda espacial New Horizons passou por Plutão, eu estava com um amigo, e a gente estava bebendo, ouvindo as músicas espaciais do David Bowie e conversando sobre buracos negros, super cordas e matéria escura.

Como aperitivo, a Nasa postou uma foto maravilhosa do satélite Caronte, tirada um dia antes. Foi muito especial.

No dia seguinte saiu a foto de Plutão em todo o seu esplendor, e o mundo parou pra ver esse outro mundo tão distante.

Uma das fotos tinha uma resolução tão alta que mostrava detalhes mínimos da superfície.

Havia algumas veredas cobertas de neve de metano, e eu quase me vi lá, andando por elas, apreciando a beleza fantasmagórica de um mundo vazio.

Alguns meses depois a gatinha Luka tinha voltado a ter ninhadas, porque o gatinho Steve foi devolvido pela adotante e não estava castrado.

No meu descontrole de não castrá-los logo, vieram duas ou três ninhadas de gatinhos mortos.

Uma delas me gelou o coração. Um gatinho recém nascido, quase morto, foi abandonado pela mãe, que sabia que ele não ia vingar.

Antes de morrer, o gatinho deu uns dois gritos lancinantes, implorando para viver.

Pensei: “nunca mais quero ter essa experiência na vida”.

No dia seguinte eu tinha que pagar o aluguel, mas não paguei, levei a Luka no veterinário pra fazer uma cirurgia de castração que eu na verdade não podia pagar, mas foda-se. O aluguel podia esperar.

Alguns acham que o ser humano é inviável, e amam só os animais.

Mas os animais estão fadados ao mesmo destino: sofrer e lutar de forma encarniçada para não morrer.

Quando o leão ataca a zebra, ambos lutam para não morrer. Lutam ingloriamente contra um destino que fatalmente os alcançará.

Não é um espetáculo bonito.

Por isso pensei nas lindas veredas desertas de Plutão.

Eu queria andar por elas e pensar “estou num mundo onde nenhuma criatura sofre”.

Quando a gente chega pra dormir e pensa na nossa batalha diária, no nosso sofrer, a gente quer que a inconsciência nos acalente.

Talvez a inconsciência da não existência fosse o melhor acalento de todos.

Mas estamos vivos, e sonhamos.

O meu melhor sonho foi uma noite em que imaginei a Terra como Plutão. Mas melhor do que ele.

Úmida, ensolarada, imaculada, não conspurcada por uma alma viva sequer.

Um lindo e azul planeta deserto.

Nesse dia, eu até acordei feliz.