Diogo é um amigão meu de Icoaraci. Ele chegou comigo um dia e falou: “conheci um rapaz que acho que é gay e é bem o teu estilo”.
Numa farra lá eu vi como era o moço. Lindo. Gordinho e lindo de morrer. Vestia aquelas calças moles de tecido quadriculado que era exatamente o estilo que eu usava na época.
Joãozinho era o nome dele. Naquele dia emendamos pra minha casa, eu, ele e o Diogo. Eu morava só numa casa enorme. Joãozinho inventa de comprar duas caixas de Benflogin pra nós três. Tomamos e ficamos nos divertindo com os delírios visuais do remédio.
Benflogin não te deixa chapado, apenas a visão fica “lenta” e tudo parece estar dançando na tua frente. Uma hora fui na copa, e tava com uma luz forte, toda a prataria da mamãe arrumada, e o brilho começou a dançar, como naquela cena de A Bela e a Fera em que a prataria começa a dançar e cantar.
Naquela mesma noite derrubei o Joãozinho na minha cama, né. Ele era uma máquina de sexo e foi maravilhoso. Diogo dormiu no quarto ao lado e eu espero que não tenha escutado o barulho enorme que a gente tava fazendo.
Começamos um casinho (escondido, porque ele era casado com uma advogada). Ele era muito jovem, tinha muita grana e usava muita droga, né. Eu, tamanho homem, pela primeira vez cheirei benzina, que é uma droga bobinha de adolescente skatista.
As coisas tavam indo rápido mas sem compromisso nem cobrança, até que uma vez estava um outro amigo meu em casa, o Carlos, que é modelo fotográfico, e o Joãozinho, que eu já sabia que era uma puta rampeira, derruba ele num dos quartos, enquanto eu tava em casa. Fiquei muito puto mas não falei nada.
Os dois foram pra Cotijuba, que é uma ilha próxima de Icoaraci. A esposa do João (com quem eu já tinha falado por telefone) me ligou perguntando se eu sabia onde ele estava. Eu, imbecil, deixei escapar o nome da ilha.
Percebi que ela tava louca de ciúme e ia lá procurar por ele. Aí eu fiz a segunda bobagem: peguei o ônibus pra Icoaraci pra avisar o Joãozinho…
Por que eu fiz isso? Não tenho a menor ideia. Só sei que eu gostava dele e talvez estivesse com sede de aventuras.
A travessia de barco pra Cotijuba era, na época, muito barata, uns 3 reais, mas era tarde da noite. O barqueiro só ia levar se eu arrumasse 20 reais. E eu fui furtado no ônibus, acredita? Só sobraram uns 15 reais. Se não tivesse havido o furto, eu teria pago os 20 e partido no mesmo instante.
Fiquei esperando alguém pra completar. Eis que chega no trapiche uma moça branca bem vestida. Vou lá explicar que ela teria que arrumar 10 reais pra completar a viagem.
Ela me olha com atenção e pergunta:
— Você é o Marcus?
Percebi na hora: era a Patrícia, esposa do João. Ela nunca me encontrou mas reconheceu a minha voz. Respondo:
— Não, eu sou o André, irmão dele.
Ela sabia que eu tinha um irmão gêmeo, ela batia papo comigo pelo telefone porque o João dizia que eu era o melhor amigo dele e tal. Entre outras coisas, falei do André, que era meu gêmeo idêntico.
Eu devo ter sido o melhor ator do mundo, porque ela acreditou que eu era ele.
E ela adorou o “André”, achou ele super simpático e ficou do lado dele (do meu lado) desabafando todo o ódio que ela tava sentindo do marido — e de mim também.
— Desculpa, eu sei que é teu irmão, mas o Marcus é um viado safado que seduziu o meu marido!
Me senti num sonho, num filme. Ela tava falando mal de mim pra mim mesmo, achando que eu era outra pessoa.
Fiquei tão fascinado pela situação (e por ela ser uma imbecil que acreditou na minha mentira) que fui dando corda:
— Não precisa se desculpar não, eu sei que o Marcus é irresponsável, não é a primeira vez que ele apronta dessa. Ele devia deixar os rapazes heteros em paz, não devia desencaminhar eles…
(é claro que o João não era hetero porra nenhuma, era uma vadia que fazia um teatro pra sugar o dinheiro da mulher. O dinheiro que ele esbanjava comigo era dela e não dele)
Ela falou mal longamente de mim, e eu fazendo um esforço enorme de não gargalhar (até porque, se isso acontecesse, era capaz de ela me jogar no fundo do rio).
Chegamos na ilha, dei um vaivém nela e fui atrás do João e do Carlos. Eu teria no máximo meia hora ou uma hora de dianteira.
Os achei facilmente na praia do Vai Quem Quer. João ficou possesso, achando que eu tava fazendo uma cena de ciúme… aí eu me revoltei:
— Cala a boca, idiota, eu vim te avisar! Tua mulher vai cortar teus culhões se tu não te esconder agora mesmo!
Ele não acreditou, e ficou um tempão nesse estica encolhe, com o Carlos assistindo perplexo o chilique dele.
Até que acontece o óbvio: Patrícia chega e vê a cena. Claro que ela percebeu na hora que eu não era o André, e os gritos que essa mulher dava eu acho que acordaram a ilha inteira.
Eu me afastei pra ver de camarote a presepada (e pra não pegar safanão também).
O mais engraçado de tudo foi que… a Patrícia era uma mulher linda, e o Carlos, que é bi, disse pro João que ia conversar com ela, mas na verdade tava flertando com ela — e ela deixando.
Visualizem a comédia pastelão. Certa hora Carlos e Patrícia entram num dos quartos de pousada e João fica desesperado batendo na porta, louco de frustração e ciúmes.
Fui embora porque tenho um medo atávico e genuíno de gente louca, né.
Dias depois, Patrícia me liga se desculpando e contando uma história de que o João fez macumba pra “amarrar” ela. E que roubou uma quantidade grande de dinheiro que ela guardava em casa.
Percebi que aquilo poderia ser minha primeira novela, quando eu me dispusesse a escrever ficção, mas foda-se, agora que tem o blog, resumi o máximo possível pra contar pra vocês.
Ela processou ele na Vara da Infância e da Adolescência (sim, porque, pra completar, ele, que parecia ter uns 22 anos, tinha só 17). E me arrolou de testemunha.
No último capítulo dessa ópera bufa, tive que ir no juiz falar sobre os fatos.
Antes do roubo a Patrícia tinha comprado em Belo Horizonte uns 5 mil reais de roupa pro Joãozinho ficar vendendo e ter uma renda. Ela não queria sustentar ele pra sempre, né.
O juiz perguntou sobre essa questão da roupa e eu respondi:
— Meritíssimo, ela gostava muito dele, ela trouxe 5 mil reais de roupas lindas pra dar de presente pra ele.
Todos os advogados e servidores na audiência caíram na gargalhada, porque eu tava derrubando toda a acusação dela.
No final o juiz me perguntou se eu tive um caso com o João. Respondi:
— Que é isso, doutor? Eu sou hetero.